sábado, 2 de agosto de 2014

Iperó, 02 de agosto de 2014

Mais um dia,
Menos um dia.

Mais dois pães nosso de cada dia,
Menos dentes na população carcerária.

Mais duas bóias, duas zuleicas¹,
Menos água a cada dia.

Mais uma oração no pátio,
Menos fé no coração.

Mais um dia,
Menos um dia.

Mais uma ducha glacial,
Menos sol para o esqueleto.

Mais tortura psicológica,
Menos assistência social.

Mais um desgraçado entrando no Raio²,
Menos remédio pro apenado.

Mais um bate-piso³,
Menos um babão(4).

Mais um truculento carcereiro,
Mais um dia,
Menos um dia.

Mais um perreco(5) no barraco(6),
Menos saúde no Sistema.

Mais um bolão(7) truculento,
Menos kit de higiene.

Mais desrespeito aos meus direitos,
Menos direitos meus, direitos.

Que direitos?

O mais é menos
O menos é mais

Que direitos?

Se cada dia a mais há menos direitos, quais são os meus direitos?

Um dia a mais,
Menos um dia,
Um dia a menos,
Mais um dia.

E os meus direitos?
Meus direitos.

1) Zuleica: marmitinha mínima de plástico transparente, com tampa azul. O azulado das tampas plásticas, por cacofonia, torna-se zuleica, que também é o nome da senhora chefe da enfermagem da Penitenciária de Iperó.

2) Raio: pavilhão, módulo, bloco de celas.

3) Bate-piso: inspeção semanal das celas, onde os agentes usam um vergalhão de aço de uma polegada com um metro e sessenta centimetros de altura para bater no piso da cela a procura de buracos de fuga ou esconderijos.

4) Babão: travesseiro, artigo proibido no cárcere paulista.

5) Perreco: briga, discussão, falatório.

6) Barraco: cela.

7)Bolão: inspeção extensiva com grande número de agentes, que "destrói" o barraco. 

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